Pensando em contribuir nas reflexões que preparam o III Congresso Latino-Americano de Jovens, vamos lançar no papel um olhar sobre algumas estruturas sociais que afetam a nossa Vida de Jovens e confrontar essas estruturas e suas conseqüências com alguns aspectos da prática de Jesus Cristo.
Um olhar sobre a Sociedade no seu todo...
Vivemos em uma sociedade marcada pela lógica capitalista, imediatista, consumista e mercadológica. Tais aspectos determinam uma série de conseqüências que afetam diretamente a nossa Vida:
- Desigualdade Social – é cada vez maior o abismo entre pobres e ricos; a minoria detém a maioria e a maioria partilha a minoria;
- Não-Garantia dos Direitos fundamentais da humanidade – Direitos como educação e saúde pública de qualidade, moradia, lazer, segurança, trabalho, alimentação não são garantidos e deixam de ser realidade, cada vez mais, na vida da maioria da população de nossa Casa Mãe - América Latina e Caribe;
- Coisificação – No sistema “neoliberal”, tenta prevalecer, e na maioria das vezes prevalece, a lógica de sermos o que temos. Isso acarreta diretamente três grandes problemáticas: a maioria das pessoas não chega a ser alguém, pois não tem muito; em nome do ter e do poder não mais importa o/a outro/a ou o que se faz para ter; e deixamos de ser humanos e nos tornamos coisas, feitos, meramente, para produzir, consumir e acumular. Sendo coisas, não mais vivemos as relações com os/as outros/as a não ser que seja para um fim lucrativo;
- Esvaziamento das relações – em plena era digital, estamos cada vez mais próximos de quem está longe e cada vez mais longe de quem está do nosso lado. Na era da velocidade não temos mais tempo, para conviver/conversar/partilhar com os/as amigos/as, vizinhos. Corremos o risco de nem olharmos nos olhos uns dos/as outros/as. Já não conseguimos cuidar, como deveríamos, uns dos/as outros/as.
Tais aspectos, e poderíamos enumerar muitos outros, não garantem Vida e Vida abundante a cada um/a de nós, filhos/as de nossa Casa Mãe. Por um outro lado vemos a força do povo, que atenta para um outro caminho: é cada vez maior o desejo, e ações já ocorrem, no sentido de ir contra a lógica que não garante Vida para todos/as nós.
Um olhar sobre o Sistema Educacional...
Quando pensamos no processo educacional - falamos a partir de nossa vivência educacional no Brasil, é necessário pontuarmos alguns aspectos e/ou fazermos algumas perguntas:
- Percebemos, fortemente, a falta de uma estrutura, física e humana, adequada no sistema de ensino: escolas caem na cabeça de seus alunos/as e professores/as; muitos dos/as professores/as não tem formação adequada na área que ministram aulas; faltam muitos materiais pedagógicos e de secretaria nas escolas; os trabalhadores/as em educação não têm remuneração salarial adequada; a carga horária de muitos professores/as é imensa.
- Nem todos/as tem acesso à educação. Por mais que se possa dizer que hoje existem muitas escolas, é muito grande o numero de crianças, jovens que, por uma série de fatores, não estão nas escolas; E quando pensamos nas universidades esse número é muito maior.
- Quando se constrói uma escola ou universidade ela não é construída para todos/as. Por exemplo: quantas são as escolas em nossos países que foram construídas para atender, também, deficientes físicos e/ou visuais?
- Tem-se um grande problema no método que se trabalha: ele não parte da Vida e da realidade de seus interlocutores/as; ele não trabalha e nem acredita no protagonismo; ele, na maioria, das vezes, não é construído coletivamente;
- Corre-se o risco de a educação ser meramente uma reprodutora da lógica dominante e, conseqüentemente, não formar pessoas criticas, conscientes, protagonistas...
- A Educação desenvolve seu trabalho, considerando todas as dimensões da formação integral?
- O sistema educacional trabalha para os/as alunos/as e acadêmicos/as ou trabalha com eles/as?
- Na construção do sistema educacional todos/as participam ou as coisas já vêm prontas de uma instância superior?
- O sistema educacional trabalha com o protagonismo? O sistema educacional acredita nos seus/as interlocutores/as?
- O sistema educacional se preocupa em formar para a Vida ou meramente se preocupa com números?
- O sistema educacional vai ao encontro de quem não está nas escolas e universidades?
- Hoje, existe, encantamento pela escola e universidade? Se não, como recuperá-lo?
- Hoje, a escola e a universidade, é um espaço de Vida para nós, jovens?
Uma escola ou universidade deve ser um espaço de Vida para os/as jovens e não meramente uma obrigação ou imposição social.
Um olhar sobre uma triste realidade: a Morte Juvenil...
Infelizmente, a cada dia somos bombardeados por uma serie de noticias narrando a morte de muitos de nós, jovens. É um fato: nós jovens estamos morrendo, e somos mortos de diversas formas:
- Morremos assassinados/as;
- Morremos nas mãos das drogas;
- Morremos sucumbidos/as pela violência;
- Morremos quando não nos é dado o direito de ter educação pública de qualidade;
- Morremos quando não nos é dado o direito de ter saúde pública de qualidade, morremos nas filas imensas e intermináveis dos hospitais; morremos quando não temos condições de comprar um remédio;
- Morremos de fome, pois não nos foi garantido o direito à alimentação;
- Morremos quando não temos trabalho ou quando somente temos que trabalhar;
- Morremos quando não temos um Lar, para onde regressar no fim dia;
- Morremos quando somos discriminados/as;
- Morremos quando não nos é dado o direito do lazer e do descanso; morremos quando não temos uma praça onde podemos nos sentar para partilhar a Vida; morremos quando não temos um local onde podemos nos divertir e celebrar a Vida;
- Morremos quando não somos acolhidos, reconhecidos/s, quando não somos considerados/as, envolvidos/as e ouvidos/as;
- Morremos quando não nos é dado o direito de sequer falar ou questionar;
- Morremos pela desigualdade social;
- Morremos quando nos transformam ou querem transformar-nos em coisas, isto é, quando nos querem coisificar;
- Morremos quando não podemos sequer ser protagonistas;
- Morremos quando não podemos ser autores/as de nossa própria vida;
- Morremos quando não nos olham e quando não nos consideram por inteiro, no nosso todo;
- Morremos quando não nos é dado o direito de sonhar e de ser feliz.
Qual a nossa resposta frente a essa triste realidade de morte juvenil?
Um olhar sobre a prática de Jesus...
Vidas pela vida, vidas pelo Reino,
Vidas pelo Reino. Todas as nossas
vidas com as suas vidas,
como a Vida D’Ele: o mártir Jesus.
D. Pedro Casaldáliga
Após discorrer sobre algumas estruturas sociais e suas conseqüências na Vida da Juventude, seguem algumas características (poderíamos elencar aqui muitas outras) da prática de Jesus Cristo que devem permear nosso fazer junto com os/as Jovens de nossa Casa Mãe em meio à sociedade atual e sua lógica maluca.
- Estar junto com o povo – Em todos os quatro Evangelhos vemos o relato de um Deus Emanuel – Deus Conosco. Jesus, constantemente, estava com o povo. Jesus se sentava com a multidão. Jesus comia na casa das pessoas, dos pecadores. Jesus vivendo com o povo, comendo com o povo, não se isentou das coisas que afligiam seu povo. Jesus sofreu com seu povo. Jesus cuidava de todos/as. Jesus sofre com a morte do único filho da viúva de Naim, e por isso age,devolvendo a vida àquele jovem e àquela viúva.
- Ser amigo – Jesus viveu fortemente, em sua vida, a amizade. Por onde passava, Jesus fazia verdadeiros/as amigos/as. Jesus chorava por seus amigos/as. Tomemos o exemplo de Lazaro: Quando Jesus soube da morte de Lázaro (João, 11,36) Ele chorou, sentiu a morte de seu amigo. Jesus não tratava as pessoas como menores que Ele: “Não vos chamo de servos, mas de amigos” (João 15,15)
- Vida em Grupo – A ação de Jesus não era uma ação que ele realizava sozinho. Jesus forma e vive em grupo. A ação de Jesus é feita junto com os/as outros/as. Jesus pede que seus/as amigos/as continuem sua missão.
- Acolhida – Vemos, na ação de Jesus, o grande ato de acolher a cada um/a e a todos/as. Mesmo sendo mulher, samaritana e não-casada com o homem com quem vivia, Jesus acolhe a samaritana na beira do poço. O ato de acolhida de Jesus para com ela muda totalmente a vida da mulher (João 4). Da mesma forma, Jesus narra sobre a acolhida incondicional, uma acolhida misericordiosa e de amor quando nos conta a parábola do Filho Pródigo; revelando-nos um Deus que nos acolhe de braços abertos (Lucas 15, 11-32).
- Ir ao encontro – Jesus saia de seu lugar e ia ao encontro das pessoas. Ele não ficava sentado de braços cruzados olhando para o céu, esperando que as pessoas viessem ao seu encontro. Ele ia até às pessoas.
- Comunhão com o Pai / Oração – Vemos, nos relatos dos Evangelhos, que inúmeras vezes Jesus estava em oração. Ele era um com o Pai, rezando a vida, o amor, os momentos de grandes decisões.
- Serviço/doação – “Eu não vim para ser servido, mas para servir” (Mateus 20,28). Jesus serviu e cuidou de todos/as. No serviço e na doação de Jesus vemos, também, um ato de disponibilidade total para a Missão. A ação de Jesus é também uma ação gratuita, de plena doação. Ele não pedia nada a ninguém, para servir a essa pessoa.
- Amar Incondicionalmente – Jesus amou incondicionalmente a todos/as e a cada um/a. Deus por amor, nos envia seu filho, que por Amor e Amor incondicional morre na Cruz. Acolher, cuidar, doar, ir ao encontro, perdoar, ser misericordioso, servir a todos/as são atos de Amor. Jesus realiza todos esses e muitos outros atos por amor. Jesus viveu, morreu e ressuscitou por amor e no Amor. Amar não é fácil, amar os inimigos, então, é mais difícil ainda e Jesus amou a todos/as e cada um/a. Jesus afirmou: “Não há prova de Amor maior do que doar sua Vida pelo irmão” (João 15,13). Por amor, num ato de Amor, Jesus morreu na cruz.
- Morrer na Cruz – Em Cristo, com Cristo a Vida venceu definitivamente a morte. “Eu vim para que todos tenham Vida e Vida em abundancia” (João 10, 10). Por causa da Vida e do Reino Jesus morreu, morreu na cruz, num ato de amor incondicional... “Quem quiser me seguir renuncie a si mesmo, tome sua cruz e me siga” (Mateus 16,24). Eis nossa missão. O seguimento coerente a Jesus Cristo, deve levar-nos a doar nossas Vidas pela Vida, pelo Reino, e fazer isso em um gesto total de doação/gratuidade e Amor.
Em nossa ação com os/as jovens, em meio às estruturas sociais e suas conseqüências, estamos vivendo estes valores da prática de Cristo?
Amamos incondicionalmente a juventude?
Como estamos defendendo a Vida da Juventude em nossa Casa-Mãe?
Luis Duarte Vieira, 18 anos
Brasil |